segunda-feira, 22 de setembro de 2008

E se um dia eu te encontrasse para lá do óbvio? Depois da noite, e do dia, e das cabanas de madeira, daquela rua pequena e suja, das flores nas janelas, da calçada, dos passos sem fim à procura de nada, à procura de tudo o que não existe. Não te encontrei num número que eu tinha a certeza existir.

De noite, de mão dada com a que me acompanhou, no silêncio dos candeeiros, os pés batiam à procura desse número. As ruas abertas fecharam-se. O número desapareceu. Sem ele, não existes. De repente tudo pareceu um delírio e os meus pés colaram ao chão e já não sabia onde estava. Perdi-me. Enquanto te procurei, perdi-me.
Meses e anos. Minutos e horas. Não chovia porque era só o vento. Vento duro, seco, que me empurrava em direcção nenhuma. Apertada, tinha a certeza de que havia vozes que não deviam ser esquecidas. Se o vento falasse não me tinha deixado esquecer. Esperei que fosse possível relembrar. Estava tudo muito longe, para lá daquilo que eu pude suportar. Não me deixaste relembrar, não me deixaste ir buscar aquelas vozes e o vento empurrava-me sem sentido.

Hoje, contigo noutro sítio qualquer, já me lembrei. Há vozes que já não estão esquecidas.

Arte 73

A Menina Doente - E. Munch

Porque às vezes quem morre tem ainda de consolar.

domingo, 21 de setembro de 2008

Arte 72

Casal a cavalo - W. Kandinsky
Seria talvez naquelas noites de ruído. Cada som uma vaga de distúrbios teus, horas sem fim. Porque me sentava eu contra a parede de cal a desfazer-se, a tingir-me a roupa, se voltavas sempre, em intervalos certeiros, com o teu cão preto de olhos inexpressivos pela trela. Se retornavas ao ruído, qual fumo negro e espesso que se abria à minha frente, era a cal que eu deixava desfazer-se em mim.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Há alturas em que o tempo passa demasiado devagar e as minhas pernas já não aguentam e os meus braços pendem inertes a minha cabeça parece ter pequenos construtores a correr de um lado para o outro e a martelar lá dentro e tudo isto me deixa exausta e inundada por uma carga eléctrica extrema que me excita todos os poros e dá vontade de rebentar se alguém ousar tocar-lhes. Hoje seria talvez o fim quem sabe tudo pode voltar ao normal e este texto ganhar vírgulas sim porque os dias têm corrido sem elas sem vírgulas incessantes...

Hoje

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Arte 71

Anatomy Lesson - Rembrandt

(In)certas doenças

Foi num daqueles consultórios brancos, de mesa de vidro com toda uma profissão alinhada, organizada, sem qualquer peça fora de sítio. Esses consultórios brancos despertam em mim uma espécie de náusea desconfortável, que apenas passa pouco depois de entregar o cheque colorido que dá ainda outro nó no estômago enquanto escrevinhamos uma avultada quantia. Vinte minutos de tensão na (in)certeza de estar doente. Vão picar-me, apertar-me, esvaziar-me, fazer-me passar fome. E eu vou ficar na mesma, e a minha cara talvez não mude de expressão, quando me resolverem as (in)certezas.